terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Crônicas de Luiz Groff - O Homem que conhecia Condrieu



Hoje temos o prazer de postar a primeira crônica de Luiz Groff aqui no Gastronomia Descomplicada. 

Luiz Groff é premiado pela Associação Brasileira de Enologia, foi degustador profissional do Instituto Vinho do Porto, tem vários livros publicados e viagens enológicas por todo o mundo.

O Homem que conhecia Condrieu

Estava Sampa numa pior quando leu nos Classificados: “Procura-se quem conheça Condrieu. Paga-se bem”.

Sampa não fazia a menor idéia do que fosse Condrieu, nem ele, nem a Britânica. Na Larousse, apenas uma linha: “Petite village. 3.040 hab.”.

Mesmo com tão pouco, o desespero gera a audácia, telefonou e marcou uma entrevista.
Foi recebido por um senhor muito velho que pelas roupas e maneiras evidenciava ser uma pessoa importante, um lorde.

O cavalheiro explicou haver recebido de seu pai, que havia recebido de seu avô, uma garrafa de Condrieu para ser bebida à meia-noite do dia 31 do fim do Século. Por engano a cozinheira o usara para temperar o risoto e ele estava perdido, pois apenas lembrava, vagamente, que se chamava Condrieu.

O Sampa, admito, pode ser um baita ignorante e um oportunista, mas é rápido como um raio, tendo percebido que Condrieu era um vinho francês, improvisou: Trata-se dum vinho raro, mas muito peculiar, bem focado, com um caráter varietal muito nítido, grande personalidade, aromas de frutas, mel e “fruits de la passion”.

Propôs-se a dar um curso básico de Condrieu, começando pelos fundamentos: O vinho no Egito dos Faraós. Em trinta lições, pagamento adiantado, evidentemente.

Comprou alguns livros, onde encontrou muito sobre vinhos, quase nada sobre Condrieu e começou a dar aulas.

Um dia o velho, constrangido, perguntou-lhe se não poderia fazer uma palestra no Rotary. Sampa aquiesceu constrangido, porque, como se sabe, o Rotary não paga e “eu preciso pensar no Condrieu das crianças”.

A fama alastrou-se. Logo era apontado nas ruas: “Aquele, o cabelo branco, sabe quem é? É o Condriólogo. O Condriólogo de Curitiba”. “Você sabia que o Chapoutier não engarrafa o Condrieu sem que o Condriólogo, nosso Condriólogo, aprove a assemblage? Viaja todo ano para a França com despesas pagas”.

Começou a escrever uma crônica semanal no jornal: “A verdade no Condrieu”.

Fundou uma confraria: A “Condri-Nós”.

Um dia chega um convite para participar de um júri internacional de degustação de vinhos. Entrou em pânico. Pensou em não ir, mas a notícia vazou e no dia seguinte um jornal de Curitiba já estampava:

“Nosso Condriólogo pode presidir júri em Bordeaux”.

No aeroporto uma multidão compareceu ao embarque. Abraços, beijos, lembra de mim? Uma faixa: “Vai Condriólogo e mostra pra francesada!”.

Em Bordeaux foi recebido pelo organizador que logo escusou-se por não ter sido possível encontrar uma única garrafa de Condrieu, razão pela qual faria parte do painel de Bourgogne.

Aliviado, achou de bom alvitre expor alguma contrariedade: “Claro que conheço Bourgogne, mas, sabe como é, não é a minha especialidade. Ademais andam abusando da madeira por causa do Parker e esta ostentação escarrada de baunilha é uma afronta ao sutil perfume de rosas da Viognier, mas vou esforçar-me para não destoar”.

Pegou a ficha de avaliação e foi imitando os outros: Cheirando, bebendo, sacudindo taças, fechando os olhos, usando mais a sua narina especializada, a esquerda, e dando suspiros. No começo deu 85 para todos. Mas quando um degustador, sentado a seu lado, abriu um laptop, Sampa fez o mesmo com o seu. Botou no programa de gerador de números randômicos que usava para jogar na Sena e passou a usar as notas para os vinhos.

Ao fim da jornada recebeu o prêmio de “Jurado Menor Desvio Padrão”, aquele que tivera o menor erro médio quadrático e mais se aproximara das médias finais.

Na volta a Curitiba teve direito a desfile no carro dos bombeiros, batedores e serpentinas.
Logo publicou um primeiro livro: A Alma Condrieu. Depois outro: O Mundo Condrieu. Está preparando um terceiro: Le Tout Condrieu. Escrever para todas as revistas especializadas do Brasil: Cozinha, Avião, Futebol, Flores e Jardins, Filatelia.

E pelo mundo foi girando, “as visões se clareando”, nos caminhos do vinho, França, Itália, Portugal, Chile, Napa, Argentina, sem nunca (No jantar da entronização na Confrerie du Condrieu du Rhône Septentrional serviu-se um Hermitage tinto, porque “sanglier et blanc, helas, ça ne marche pas”) ter bebido uma única miserável gota de Condrieu.

E assim, vai vivendo nosso Sampa, sempre escrevendo sobre Condrieu, às vezes alegre, às vezes triste, às vezes dispersivo, às vezes indignado, conforme se lhe vá o espírito.

Quando está sem assunto, plagia “O Homem que Sabia Javanês” do Lima Barreto.

Coluna gentilmente cedida por Luiz Groff - Acesse www.invinoveritas.com.br

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