segunda-feira, 21 de maio de 2012

Crônicas de Luiz Groff - Varietal



Todas as regiões vinícolas tradicionais têm histórias para explicar como chegaram lá suas variedades de uvas.

Ora pelos gregos, ora pelos romanos, talvez os padres cistercienses, talvez um eremita que veio da Pérsia, quiçá uma mutação acidental que pulou a cerca.

As lendas fazem parte do marketing e geralmente são posteriores às leis, escritas ou da tradição, que fixaram a variedade na região.

O curioso é que a definição obrigatória das variedades num determinado lugar é bem recente, com exceção da Pinot Noir tornada obrigatória na Côte de Beaune no século XIV, com o expurgo da unloyal Gamay.
Somente no fim do século XVIII, a Riesling foi maciçamente plantada no Reno e no Mosel e a Cabernet Sauvignon reconhecida como a mais apropriada para o Medoc.

Então, ao contrário do que se crê, Bordeaux só se antecipou à Califórnia por cem anos.
A grande diferença entre o Velho e o Novo Mundo na definição das variedades, residiu em dois pontos: o tempo consumido no processo e o uso do nome no rótulo.

Na Europa as castas foram sendo selecionadas, adaptando-se ao clima, ao terroir e, lógico, ao mercado, ao longo dos séculos.

Deve-se entender a relutância dos produtores em aceitar novidades, lembrando que cada inovação leva à erradicação do plantel e à suspensão da atividade econômica por quatro anos. Isto quando dá certo, porque, quando dá errado, tem de começar de novo e esperar mais três anos, já que apenas o cavalo do enxerto é reaproveitado.

Creio que se não fosse a força corporativa dos religiosos na Bourgogne e os métodos colonialistas dos ingleses em Bordeaux, nenhuma regra teria sido imposta, prevalecendo o arbítrio de cada produtor.

Prova-o a Itália que com seu indomável ânimo anarquista, resistiu até 1980.

Outras mudanças ocorreram quando o Philloxera destruiu os plantéis e aproveitou-se para substituí-los por espécies mais promissoras. Sancerre e Pouilly Fumée, por exemplo, trocaram Chenin Blanc por Sauvignon Blanc.

Na Califórnia, diante da terra nua, o produtor analisa o mercado, estuda as cepas disponíveis nas criadeiras, observa os vizinhos, lê um boletim da Universidade de Davis e manda os empregados plantar.

O uso do nome da uva no rótulo foi criação americana, logo após a lei seca, quando se constatou que o vinho americano não poderia ter êxito enquanto não expurgassem os nomes falsificados: Jerez, Chablis, Burgundy, Claret e, fantástica cara de pau de George Delatour, Tipo Château d’Yquém.

Solidamente incrustados no prestígio da denominação de suas regiões, os franceses nãos se abalaram com a novidade e continuaram a ignorar o nome da cepa.

Hoje, sessenta anos depois, estão tendo de explicitar no rótulo que Bourgogne é feito de Chardonnay para manter suas vendas e enfrentar a imagem varietal implantada no cérebro do consumidor americano.

Recentemente um leitor da Wine Spectator ponderou que se o vinho de assemblage é feito com diferentes uvas de modo a compensar suas recíprocas deficiências, infere-se que o vinho é feito com uvas inferiores. 

Torquemada não teria deixado por menos na Santa Inquisição.
Ou, como uma pessoa que, garrafa na mão, duvidou:

— Então estes sujeitos usam várias uvas para fazer este vinho? Já imaginou se fosse 100% varietal?

O vinho era um Mouton Rothschild 1990.

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