Todas
as regiões vinícolas tradicionais têm histórias para explicar como chegaram lá
suas variedades de uvas.
Ora
pelos gregos, ora pelos romanos, talvez os padres cistercienses, talvez um
eremita que veio da Pérsia, quiçá uma mutação acidental que pulou a cerca.
As
lendas fazem parte do marketing e geralmente são posteriores às leis, escritas
ou da tradição, que fixaram a variedade na região.
O
curioso é que a definição obrigatória das variedades num determinado lugar é
bem recente, com exceção da Pinot Noir tornada obrigatória na Côte de Beaune no
século XIV, com o expurgo da “unloyal” Gamay.
Somente
no fim do século XVIII, a Riesling foi maciçamente plantada no Reno e no Mosel
e a Cabernet Sauvignon reconhecida como a mais apropriada para o Medoc.
Então,
ao contrário do que se crê, Bordeaux só se antecipou à Califórnia por cem anos.
A
grande diferença entre o Velho e o Novo Mundo na definição das variedades,
residiu em dois pontos: o tempo consumido no processo e o uso do nome no
rótulo.
Na
Europa as castas foram sendo selecionadas, adaptando-se ao clima, ao terroir e, lógico, ao mercado, ao longo
dos séculos.
Deve-se
entender a relutância dos produtores em aceitar novidades, lembrando que cada
inovação leva à erradicação do plantel e à suspensão da atividade econômica por
quatro anos. Isto quando dá certo, porque, quando dá errado, tem de começar de
novo e esperar mais três anos, já que apenas o cavalo do enxerto é reaproveitado.
Creio que se não fosse a
força corporativa dos religiosos na Bourgogne e os métodos colonialistas dos
ingleses em Bordeaux, nenhuma regra teria sido imposta, prevalecendo o arbítrio
de cada produtor.
Prova-o a Itália que com seu
indomável ânimo ana rquista, resistiu
até 1980.
Outras mudanças ocorreram
quando o Philloxera destruiu os plantéis e aproveitou-se para substituí-los por
espécies mais promissoras. Sancerre e Pouilly Fumée, por exemplo, trocaram
Chenin Blanc por Sauvignon Blanc.
Na Califórnia, diante da
terra nua, o produtor ana lisa o
mercado, estuda as cepas disponíveis nas criadeiras, observa os vizinhos, lê um
boletim da Universidade de Davis e manda os empregados plantar.
O uso do nome da uva no
rótulo foi criação americana , logo
após a lei seca, quando se constatou que o vinho americano não poderia ter
êxito enquanto não expurgassem os nomes falsificados: Jerez, Chablis, Burgundy,
Claret e, fantástica cara de pau de George Delatour, “Tipo Château d’Yquém”.
Solidamente incrustados no
prestígio da denominação de suas regiões, os franceses nãos se abalaram com a
novidade e continuaram a ignorar o nome da cepa.
Hoje, sessenta anos depois,
estão tendo de explicitar no rótulo que Bourgogne é feito de Chardonnay para
manter suas vendas e enfrentar a imagem varietal implantada no cérebro do
consumidor americano.
Recentemente um leitor da Wine Spectator ponderou que se o vinho de assemblage é feito com diferentes uvas
de modo a compensar suas recíprocas deficiências, infere-se que o vinho é feito
com uvas inferiores.
Torquemada não teria deixado por menos na Santa Inquisição.
Ou, como uma pessoa que,
garraf a na mão, duvidou:
— Então estes sujeitos usam
várias uvas para fazer este vinho? Já imaginou se fosse 100% varietal?
O vinho era um Mouton
Rothschild 1990.
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