sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Escândalo da Carne de Cavalo Revela Brechas na Lei e Maus Tratos



"O nosso sistema é o pior de todos, porque nos leva a isso -em vez da venda pública de cavalos saudáveis, sob uma supervisão controlada e realizada por açougueiros registrados, temos a venda furtiva de carne suspeita em sótãos, porões,por homens de má reputação sem  profissão", escreveu Isidore Geoffroy Saint-Hilaire, em 1856.

Isidore Geoffroy Saint-Hilaire foi diretor do Museu de História Natural de Paris e membro da Sociedade Protetora dos Animais da França. Ele foi um entre um grupo de cavalheiros letrados de meados do século 19 que propôs que a França consumisse carne de cavalo abertamente pela primeira vez desde que o papa Gregório 3º proibiu a prática pagã da hipofagia em 732 dC. Tudo muito racional, afinal, as pessoas não tinham dinheiro para comprar carne vermelha, então os cavalos de tração poderiam descansar depois de velhos, serem bem alimentados e depois abatidos, simples assim.

O escândalo de 2013 que começou sob a alcunha de "Burger Gate" na Irlanda, expandiu-se para abranger um número estimado de 13 países e 28 empresas. A carne de cavalo vinha sendo servida sem que se soubesse em lasanhas, molho a bolonhesa e até "carne fresca" pelas cantinas escolares, redes de bares, prisões, hospitais e pais desavisados.

Alguns especulam que é possível que a fraude já acontecesse há anos. O preço da carne quase dobrou nos últimos seis anos, enquanto o preço dos cavalos entrou em queda livre, graças à recessão. O consumo de cavalo em 2013 é tão lógico quanto a proposta de Saint-Hilaire.

Como isso aconteceu? O Burger Gate foi resultado de anos de trapalhada burocrática, cortes austeros e suas consequências não intencionais porém inevitáveis. Poucos cavalos são abertamente criados para produção de carne –o prato do jantar vem como uma segunda vocação, muitas vezes inesperada, depois de uma vida de esporte ou trabalho.

Isso significa que os cuidados com os cavalos não estão sujeitos às mesmas regulações rígidas e documentação quanto a criação de gado: qualquer movimento de vacas entre fazendas precisa ser documentado, mas isso não ocorre com os cavalos. O resultado é uma abundância de brechas, campo fértil para exploração por parte de comerciantes inescrupulosos.

A trilha de pegadas que levam à lasanha Findus começa em 2007, na Romênia. Num esforço para reduzir o número de acidentes de trânsito envolvendo cavalos e apaziguar a UE (União Europeia), a Romênia proibiu o uso de carroças puxadas por burros ou cavalos nas estradas principais. Ou seja, muito cavalos deixaram de ser um bem econômico para virar uma fonte de prejuízo, ou seja, a grande maioria foi vendida e, eventualmente, virar salame.

Da Spanghero e Comigel, o DNA equino que já havia viajado bastante foi transportado para as redes de supermercados britânicos e europeus e para um público sem dinheiro ou bastante econômico. A fraude não foi percebida pelas autoridades do Reino Unido mesmo meses após o início das vendas, porque as fábricas de processamento francesas não são inspecionadas pela Agência Britânica de Normas de Alimentos (FSA).

Para economizar dinheiro, o governo de coalizão dividiu os deveres do FSA entre outros ministérios, e não deixou nenhuma inspeção às fábricas de processamento. Este é o trabalho dos próprios supermercados e também dos departamentos de normas de comércio das autoridades locais britânicas. Mais uma vez, a austeridade teve seu papel: os orçamentos para as normas comerciais despencaram nos últimos anos.

Enquanto isso, numa ironia que teria deixado Saint-Hilaire perplexo, o escândalo apresentou ao público britânico sua própria e impalatável indústria de carne de cavalo, que dobrou a quantidade de cavalos que abate desde 2009. A carne de cavalo não está em voga até o ponto de ser divulgada pelos supermercados britânicos como oferta especial da semana, mas o negócio está crescendo.

A indústria também tem um lado obscuro: os rebanhos são frequentemente criados em más condições, sem inspeções de saúde ou preocupações com o bem-estar dos animais antes de serem finalmente vendidos para o matadouro.

Quando o Burger Gate explodiu, a ITV divulgou uma matéria que revelava os maus-tratos num abatedouro de cavalos, e então os donos de duas fábricas britânicas foram presos sob suspeita de vender carne de cavalos que haviam sido tratados com um anti-inflamatório comum que pode causar doenças do sangue em seres humanos. O FSA foi obrigado a admitir que havia perdido o rastro da carne contrabandeada no continente.

fonte TERRA

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