quinta-feira, 8 de março de 2012

O Colecionador





Não existe uma definição clara dos limites que separam uma pessoa normal de um colecionador, aquele ponto onde cessa o prazer saudável da posse e começa neurose de colecionar.

É absolutamente normal sentir prazer em possuir alguma coisa e quanto mais raro ou especial for este claro objeto do desejo, maior será nosso prazer.
Também é indiscutível que ter dois é melhor que um, e três é melhor que dois.

Mas nas pessoas normais, o prazer se atenua à medida que a posse se repete, enquanto que no colecionador a compulsão se acentua à medida que a lista cresce.

As pessoas normais convivem com o que já têm, o colecionador com o que está faltando.

Quem disse, mais vale um pássaro na mão do que dois voando, comia, não colecionava.

Tenho um amigo que faz coleção de coleções. Coleciona tudo: selos, moedas, cartões de telefones usados, Seleções, Geographic Magazine, caixas de fósforos, cinzeiros roubados em navios, estampas do Sabonete Eucalol. Quando nossa turma viaja para o exterior, vai fazendo encomendas e consegue pôr um grupo de pessoas a procurar fichas telefônicas até em latas de lixo. Felizmente ainda não lhe ocorreu colecionar Modess usados.

A crônica já estava por aí quando toca o telefone:
“Este sujeito, o tal que faz coleção de Estampas do Sabonete Eucalol... Qual é o nome dele? Tenho uma coleção quase completa, só me falta o Rio Nilo. Será que ele não quer vender?”

A crônica nem havia sido publicada, surrealismo puro, e o Colecionador já estava assediando meu amigo.

Não ouso confessar que a crônica lida com metáforas, seres imaginários, junção das manias de várias pessoas, cada qual com uma única coleção, e até os devaneios de um sujeito que não tinha nenhuma coleção, mas sonhava, um dia, fazer todas.

Miseravelmente, traio meu amigo, sobrinho de um farmacêutico de Canoinhas que, violando as caixas de sabonetes do tio, encheu duas caixas de sapatos com estampas do Sabonete Eucalol e esqueceu-as sobre o guarda-roupa, há mais de trinta anos. Dou o seu endereço e, meia hora depois, o Colecionador saiu da casa do meu amigo com a caixa de estampas em baixo do braço.

Colecionador tem que ter inveja, ciúme, despeito, e, sobretudo, alegrar-se cada vez que um concorrente sofre uma perda. Colecionador tem orgasmos: o de sua própria ereção, e o da brochada do rival.

Pessoas colecionam coisas por terem necessidade de organizar o espaço à sua volta e adquirir uma sensação de poder.

É comum encontrar pessoas frias e eficientes em sua área profissional de atuação que se comportam como amadores passionais quando tratam de sua coleção.

Há quem colecione vinhos. Conheci um Comendatore, em Vicenza, que tinha mais de 6.000 garrafas de vinhos diferentes, expostas em vitrines numa sala climatizada.

Nada entendia de vinhos, lado a lado estavam Château Petrus e Liebfraumilch.

Dei-lhe um Sangue de Boi que ganhou um lugar de destaque, porque era o único brasileiro da coleção.

Ter estoque de vinhos não significa necessariamente fazer coleção.

Os grandes vinhos evoluem e se aperfeiçoam continuamente e até se valorizam com o tempo, logo, faz sentido ter uma quantidade guardada, sem o intuito de formar uma coleção.

Já estocar vinhos comuns, que não evoluem e podem ser comprados a qualquer momento, é tão sensato quanto guardar latas de goiabada, embora estas sejam mais fáceis de empilhar.

Tenho muitos vinhos e sinto prazer em possuí-los, mas meu prazer decorre da expectativa do desfrute e não da posse.

Ponho as garrafas sobre a mesa, vou abrindo, cheirando, olhando, mastigando, prestando atenção, tomando notas quando me dá vontade, comparando-as com a opinião de amigos.

Mas não coleciono vinhos, nem guardo anotações, coleciono lembranças.

Coluna gentilmente cedida por Luiz Groff - Acesse www.invinoveritas.com.br

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