quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Chefs do Desejo - Nina Horta

Tenho é notado as diferenças, não digo que gosto mais do que era antes, jamais. O que vejo é como as coisas estão mudando, e bem depressa, aqui e ali. Pensem. Vamos lá, fragmentos de mudanças.

Temos a cozinha de chef e a cozinha de casa, cada vez mais diferentes. Os chefs de restaurantes e os chefs caseiros, o feminino e o masculino, o profissional e o doméstico. Não estou fazendo diferenças de gênero, mas de tipos. O chef pode ser mulher ou homem e o cozinheiro caseiro, também.

Qual a tradição cultural mais importante, a do cozinheiro do passado, o mestre de muitos, o famoso por seus jantares, ou a tradição do cozinheiro de casa que aprendeu de ouvido com a avó e a mãe? As duas, talvez. A cada dia percebemos, nós que nos preocupamos tanto com comida, que temos que conviver com os dois. Os cozinheiros dentro de suas casas alimentando uma família, e os chefs profissionais cada dia mais profissionais, com suas técnicas avançadas, com seus fogos de artifício na festa, no restaurante.

E o que mais mudou? Não se falava muito em comida, apenas comia-se sem muito estardalhaço. Até o outro dia. Hoje levamos um susto ao abrir o Facebook pela primeira vez. Não é possível! Por que me interessaria pelo que eles todos comeram hoje? Que Maricota fez esse bife com arroz e que Jussara comeu curau e Abenilda tem saudade dos bistrôs parisienses? Depois de um mês já achamos normal e começamos a contar também sobre o fermento que herdamos da vizinha. As pessoas têm necessidade de fotografar a refeição e mostrar para os outros o momento de prazer que tiveram. Afinal, a comida talvez seja um dos melhores modos de se conectar com todos e com o mundo. Só pode ser.

Antes, ninguém conhecia o chef, só a comida dele. Hoje o próprio chef é objeto de desejo, mais do que a sua comida. Quando publico no blog uma foto do dinamarquês do Noma, as mulheres me escrevem, não para pleitear uma quentinha, mas perguntando se o Thor não quer ir à casa delas catar mato no jardim. Antes eram todos gatos borralheiros, hoje são todos gatos.

Existe muita diferença entre a peregrinação no caminho de Santiago e a peregrinação à Catalunha do Ferran? Se existe, é somente porque a do Ferran exigia mais estamina na espera. Tão religioso um quanto o outro. E exige-se tanto de um chef como de um santo. Além de saber cozinhar bem, precisa ter tino para negócios, manter seu blog perfeito, aparecer na capa das revistas, fazer propaganda de sopa de tomate e tatuar o torso. Sair no guia, ganhar o concurso, ter um programa de TV, cozinhar na cozinha-aquário de vidro como um peixe fosforescente listrado, escrever um livro com noite de autógrafos lotada.

Já repararam também que os reality shows de comida não têm comida? Só chefs. Aparecem em primeiro plano, queixam-se dos colegas ou dos jurados, choram, riem, gritam e batem palmas. Nós ficamos sem saber como fazer a bomba de maracujá com manga. Isso não quer dizer que choro de saudade da Dona Benta, da Palmirinha e da Ofélia. São mudanças, só isso.

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