sexta-feira, 16 de março de 2012

O Aroma do Vinho





Se você lembra com saudades o gosto daqueles bolinhos de graxa das viagens de trem de sua infância, sinto decepcioná-lo, mas é o aroma e não o gosto, o objeto de suas recordações.

O paladar só reconhece quatro padrões: amargo, doce, salgado e ácido. Com tão poucas informações, privados do aroma, não conseguiríamos distinguir purê de batata de sorvete de jaca.

É o perfume, o aroma, que diferencia os alimentos e, por excelência, os vinhos. O que chamamos de gosto não passa de retro-olfato, ar aspirado da boca que vai aos bulbos olfativos. 

As moléculas aromáticas, arrastadas pelo ar aspirado, chegam ao topo do nariz onde células olfativas mandam impulsos elétricos para serem interpretados no cérebro.

De lá seguem dois caminhos. Para o hipocampo, junto à memória, onde se registram as impressões profundas e fundamentais, o cheiro da espécie, o aroma da mãe. O outro vai aos tálamos, na zona lateral do cérebro, onde alimenta os reflexos: predador, fêmea, fogo, alimento.

O cheiro permite identificar o veneno, (Ágata Christie sempre identificava a morte por arsênico porque deixava cheiro de amêndoas) o alimento estragado, a doença do filhote e o predador.

No aroma de alarme, quanto mais claro melhor. Quem confundir cheiro de fumaça com fêmea, a menos que seja bombeiro, entra pelo cano.

E porque identificar o predador é mais crítico para a fêmea, a seleção natural cuidou de desenvolver mais o aroma das fêmeas, o que levou a mulher à cozinha e, subproduto, a lavar pratos.

O olfato é um sentido mais importante que o gosto, mas infelizmente, neste campo somos pouco dotados. O faro humano está apoiado em apenas 12 milhões de células, contra 4 bilhões do cão. Por isto, onde temos impressões, os cães têm certezas.

Nossa imagem de aromas é como uma televisão sem antena, que nos fornece informações fugidias de baixa definição.

 O aroma é carreado por uma proteína que possui uma abertura onde se encaixa apenas uma célula aromática. A junção das proteínas afins a uma forma, configuram o cheiro característico.

Por isto aromas inibem-se mutuamente. O aroma de tomate, por exemplo, impede sentir o aroma de rosas, porque a célula do tomate “cabe” na abertura das rosas e bloqueia o encaixe. Cheiros fortes, como cebola, alho, gasolina, entopem tudo e bloqueiam o sentido por algum tempo.

Não se conhece o número de padrões básicos que compõem o aroma. Imagina-se sejam muitos, dadas as infinitas nuanças que se formam, mas convém não esquecer que, com apenas três cores básicas, é possível compor uma interminável série de matizes coloridos.

Tenho para mim que os padrões são sete. É puro chute, mas se estiver certo, espero venha a ser conhecido como o Espectro Olfativo Heptagonal de Doktor Groff. Não ria, Van Hallen deu um chute parecido sobre o cinturão magnético que envolve a Terra, do qual nada entendia, e entrou para a história da física e do rock.

De qualquer modo, se o aroma viesse a ser descodificado, seu Beaujolais deixaria de ser descrito pelos críticos por aquela lista de frutas vermelhas qual tabela de sorveteria e passaria a ter um padrão numérico.

Muitos acham que a confecção de vinhos viraria farmácia de aviamentos, processado na hora, pelo computador, ao gosto do freguês, como já se faz com tinta de automóvel, quebrando seu encanto.

A minuciosa e inequívoca identificação das cores e a capacidade de reproduzi-las não tirou, ao contrário, realçou, a mística de Van Gogh, a beleza do arco-íris, a poesia do pôr-do-sol.

Não creio que a análise do aroma venha perturbar a magia dos nossos Mouton Rothschild, digo 1742-32/65.

Coluna gentilmente cedida por Luiz Groff - Acesse www.invinoveritas.com.br 

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